domingo, 23 de junho de 2013

Tomei meu suco vagarosamente... Há muito tempo aprendi sobre a importância de mastigar bem os alimentos. Lembro-me muito bem a primeira vez que minha nutricionista me disse: 'mastigue a sopa'.

Como assim? Mastigar a sopa? Claro, claro... não é mastigar no mesmo sentido que você mastiga o churrasco - adoro churrasco -, mas tem de mastigar sim, porque a digestão do alimento começa não só com a trituração dos alimentos mas também com a mistura da saliva com a comida.... hum... aí eu entendi.

E ela continuou: 'quanto menor o alimento e mais bem misturado com a saliva, melhor será a digestão... e, se a senhora comer devagar, também terá menos tendência a engordar, vai apreciar melhor os alimentos... ah! e jamais, jamais mesmo coma enquanto está assistindo TV ou falando ao telefone' (acho que ela sabe que fico horas em frente à TV e as horas que sobram falando ao telefone).

Claro que a última orientação desobedeço sempre... porque ninguém é de ferro e também porque algumas regras podem... devem, na verdade, ser quebradas.

Enquanto tomava meu suco com um conta-gotas (brincadeirinha...), lembrei da primeira vez que peguei um telefone pra falar com alguém... não lembro quem era...

O telefone tocou, eu estava sozinha em casa e fui obrigada a atender.

'Alô! Quem fala!?'
"Alô... quem fala, por favor?'
"Eu perguntei primeiro', falei toda nervosa... e a pessoa, acho que entendeu que era uma total ignorante em matéria de atender o telefone... então se identificou e perguntou se minha filha estava em casa...
'Por que você quer saber?', perguntei...(meu Deus que tansa)
'Preciso falar com ela'...

Aí eu não aguentei mais meu nervosismo e comecei a rir, rir... que não acaba mais. E a pessoa do outro lado simplesmente desligou...

Nunca contei pra ninguém isso. Mas o problema é que morro de vergonha de falar em público... e foi isso que aconteceu... não, não só isso. Eu também esqueci - esqueci, não... eu não sabia que tinha de colocar o telefone de volta no gancho - deixei o fone do lado do telefone até à noite, quando meu marido chegou, viu e perguntou o que o fone estava fazendo fora do gancho...

E eu com a maior cara de surpresa...ah! acho que deixei aí quando fui limpar o aparelho... (porque eu passava álcool nele duas ou três vezes por dia, pra matar as milhares de bactérias).

Por falar em álcool, depois descobri que o álcool que eu usava só deixava as bactérias muito doidas... ou que elas se faziam de mortas...

Enfim, graças a Deus ninguém morreu lá em casa por usar o telefone cheio de bactérias doidinhas da silva ou fazendo de conta que estavam mortas....

E terminei meu maravilhoso suco.... O movimento de carros na avenida agora está mais intenso... vejo também várias pessoas andando ou correndo na beira-mar. Um barquinho lá longe... próximo das pequenas ilhas....

E o céu se fez azul outra vez... nenhuma nuvem... não há vento... não ouço canto dos pássaros. O único barulho mesmo é o da civilização: carros e ônibus passando, a minha vizinha do andar de baixo passando o aspirador, uma britadeira no prédio que estão construindo na quadra ao lado da minha, a música tocando no radinho da minha secretária - não gosto dessa música que ela ouve... já pensei em dar um aparelhinho com fones de ouvido pra ela... acho que vou dar no próximo Natal - e um helicóptero circulando bem sobre a minha cabeça...

Daqui a pouco vou comer uma maçã - outro hábito diário...





sábado, 22 de junho de 2013

Mas, voltando pro presente... atendi o telefone. Carol, depois de contar todas as novidades - ela sempre tem milhões de novidades pra contar -, disse que estava telefonando especialmente pra  me convidar pra uma apresentação de Sofia, minha bisneta. Sofia, a bailarina... uma das formas de nos referirmos a ela... há várias outras.... nunca vi uma menina tão esperta.

Sofia iria se apresentar com seu grupo de Jazz no Teatro Governador Pedro Ivo, na sexta-feira da semana seguinte... e eu não poderia faltar.

Primeiro eu disse que não... não iria. À noite, o que gosto mesmo de fazer é dormir... e ir a um espetáculo de dança!? Música alta, barulho... já estou cansada só de pensar em ir...

Mas Carol sabe argumentar: 'bisa. você tem de ir... Sofia está dançando tão bem.... e ela vai ficar triste se você não for.' Pronto falou a palavrinha-chave: 'triste'... droga! ela sabe mesmo como me convencer...

E mais, continuou Carol... 'bisa você tem de sair, passear, aproveitar bastante a vida... vamos lá, toda a família vai... até o vovô Roberto vem de São Paulo pra assistir... vamos, vamos... sei que você vai amar'.

Uma vozinha dentro de mim dizia que ela tinha 100% de chance de ter razão: eu iria gostar...

Então, deixei de ser ranzinza e aceitei.... agora é começar a pensar com que roupa eu vou... até lembrei daquela música 'com que roupa eu vou...' de Noel Rosa... bons tempos aqueles...

Hora do suco: Madalena (a minha secretária) trouxe o meu preferido - abacaxi com hortelã.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Trim... trim... trim... o telefone outra vez.... Não, não... não é mais este o som do meu telefone. Agora é musical... e toca uma música diferente pra cada pessoa que está na agenda.... pelo toque é minha neta Carolina... diariamente ela me telefona, e ficamos conversando por um bom tempo... falo com ela e com meus bisnetos... falamos, e falamos, e falamos... Temos uma mesma operadora e pagamos baratinho por horas de conversa.

Hoje é bem diferente de quando o telefone chegou à minha casa em 1980. Eram poucas as casas que tinham telefone e só era usado em casos de emergência, ou para falar com meus filhos. Durante muito tempo mantivemos um contato telefônico bem especial todos os fins de semana.

Hoje falamos todos os dias... todos os dias...

Mas naquela época, telefone era artigo de luxo. Um telefonema não podia durar mais do que 5 minutos... às vezes durava mais... e no fim do mês, quando a conta chegava, nos arrependíamos imensamente por ter usado mais tempo, gastado mais dinheiro.

Nossas conversas, quase invariavelmente, eram assim:

'Oi... tudo bem?'
'Sim, aqui tudo bem... e com vocês.'
'Aqui também está tudo bem.' 'Quando vocês vêm para cá?'
'Acho que na semana que vem ou na outra.'
'Que bom... estamos com saudades.'
'Nós também.' 'E vocês quando vêm pra cá?'
'Não sei... seu pai está trabalhando muito, então nos fins de semana tem de descansar... mas uma hora aparecemos aí.'
'Que bom... vamos esperar.' 'Então, nenhuma novidade?'
'Não nenhuma... tudo igual' .... ou às vezes... 'Ah! sim, Mariana ganhou nenê... é uma menina linda.' ou... alguém que casou, ou morreu, ou mudou de cidade - o mais raro de acontecer -, ou qualquer outra coisa bem banal.
'Então tá bom... vamos desligar.'
'Sim, vamos desligar... e o tempo como está?'
'O tempo está quente demais'.... ou frio demais... ou uma seca danada... ou normal...
'Então tá... um beijo pra todos... e fiquem com Deus.'
'Um beijo pra vocês e fiquem com Deus também.'

e click...

E eu ficava morrendo de vontade de ouvir a voz de meus netinhos... mas imagina gastar com telefone pra falar com as crianças... nem por sonho alguém podia ter esse tipo de pensamento.
Saudades... quantas saudades eu sinto. Do primeiro momento que tenho na lembrança - inverno de 1929, na carroça com papai e com Justino e Federico.

Eu era a garotinha de papai.... e meus dois irmãos implicavam comigo. Eu tinha nas mãos - sempre - uma cadernetinha cheia de anotações. Não eram minhas anotações, eram anotações de papai. Ele era o dono do único moinho num espaço enorme de vilarejos... e usava cadernetinhas para anotar tudo sobre o que moía, vendia, comprava....

'Pra que levar esse caderninho?' 'Você nem sabe ler!' 'Não sabe desenhar e se soubesse não tem nenhum lápis...", diziam os dois pra mim. E eu? Eu não me importava - sabia que estava segurando nas mãos todo o meu futuro: queria ser professora (que como você já sabe fracassei antes mesmo de começar.... ou não). Outras vezes, odiava os dois por me dizerem aquelas palavras ruins e enchia os olhos de lágrimas.

E papai me abraçava e sempre dizia 'lascia stare, bambina mia...'. E eu fungava, limpava o nariz e secava as lágrimas.... engolindo seco... e abraçava a cadernetinha como se fosse o bem mais precioso do mundo.

Inverno gelado aquele... mas não foi só o frio que fez as pessoas sofrerem muito naquela época...

Primeiro momento gravado na minha memória até o de há poucos minutos.... saudades do que vivi.

Terei saudades da vida... quando eu partir?

E a cadeira pra frente, pra trás, pra frente, pra trás.... mais um cochilozinho....

domingo, 16 de junho de 2013

E a memória não vive o tempo cronológico... é só, ou quase só, tempo psicológico.

Maio de 1940.... entrei na escola em 1934. Barbarina entrou em 1940. Como foi difícil pra ela aprender a ler. Os números... ela entendia como ninguém.... as letras embaralhavam completamente a cabeça dela.

E ninguém conseguia fazer com que ela aprendesse a ler. Fui incumbida da estrondosa tarefa. Em 1940, quando Barbarina começou a estudar... eu estava no quarto ano. Não precisa ser muito esperto para perceber que eu também tive sérias dificuldades de aprendizagem. E agora a árdua tarefa tinha sido entregue a mim. Barbie tinha de aprender a ler.

A cartilha: figuras coloridas e palavras em tinta preta no papel branco. As palavras eram realmente assustadoras e não faziam sentido nenhum. Os desenhos, pelo contrário, diziam tudo o que as palavras eram incompetentes para nos fazer entender.

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'Vovó viu a uva.' 'O bebê baba'.

E Barbi aprendeu a ler as figuras.... mas ninguém se deu conta disso. Até que um dia....

A professora, D. Helena,  alta, magra, com os cabelos sempre presos em um coque e um colar dourado, que fazia a gente pensar que ela era riquíssima... Ela tinha automóvel também. Na verdade o automóvel era do marido dela - o único médico da cidade.... e o único automóvel também. Naquela época... depois chegaram outros... automóveis. Outro médico, só depois que casei e saí de lá.

D. Helena chamou Barbi para a frente da sala - prova de leitura.

D. Helena ia apresentando folhas de papel cartão branco - com um desenho - e a respectiva palavra três vezes escrita, em assustadoras letras garrafais. E Barbi ia indo muito bem... até que

'Carote, carote, carote...' leu quando a professora apresentou a cartela com três lindas cenouras....

D. Helena teve um ataque.... só nesse momento ela percebeu que Barbie não sabia ler nada de palavras... ela lia, sim... lia figuras.

Na folha tremendo na mão de D. Helena, furiosa, estavam três lindas cenouras... e as palavras: Cenoura - Cenoura - Cenoura...

e a estúpida da Barbarina leu em italiano,  ou melhor, disse o nome das figuras na língua que falávamos em casa.

Não preciso contar das reguadas que levou nas mãos... dos joelhos dobrados nos grãos de milho durante o resto da aula.

E da surra que eu levei quando mamãe ficou sabendo do ocorrido. E Barbarina continuou sendo ruim com as letras o resto da vida... Mas os números! Esses acompanharam Barbie por toda a parte e ainda hoje ajudam a aumentar a renda da família.

Contar que sempre faço o bolo de cenoura - o preferido - quando Barbie vem me visitar trouxe-me à memória a minha incapacidade de ensinar alguém a ler... incapacidade que me acompanhou pro resto da vida também.

Tem gente que nasce pra ser professor... não eu.


sábado, 15 de junho de 2013

Penso muito nisso que meu irmão sempre falava. Quero acreditar que não é verdade, quero acreditar que a vida tem alguma utilidade. Mas é difícil. Que utilidade existe em algo cujo fim já está determinado.

Não importa se farei grandes coisas em minha vida, ou se jogá-la na sarjeta... o fim será exatamente o mesmo. Talvez ele tenha razão: o que devemos fazer é o essencial para sobreviver e fim... qualquer gasto de energia pra além da sobrevivência é energia gasta inutilmente.

E a cadeira pra frente, pra trás... pra frente, pra trás.

O telefone toca. Estendo a mão e pego o aparelho que está na mesinha ao lado da minha cadeira. São 9 horas... é minha irmã Bárbara... Barbarina. Ela é professora aposentada, mas ainda dá muita aula particular. Aula de matemática. E ela ganha um bom dinheirinho com isso. As pessoas têm grande dificuldade com a matemática, pra serem aprovados muitos alunos a procuram... e ela gosta do que faz.

Ela mora numa cidadezinha também aqui do litoral: Itapema. Telefonou, como faz todos os dias às 9 horas, e aproveitou para me dizer que viria me visitar antes do fim do mês. Fiquei feliz... gosto quando ela vem para cá. Lembranças as mais diversas são o assunto de nossas conversas.

Sempre faço bolo de cenoura quando ela vem. É o preferido dela, e do Bento, meu sobrinho... Tomamos chá com bolo, e o que sobra ela leva para o café do dia seguinte.

Barbarina, quando criança, adorava as estrelas. Ela ficava até muito tarde, olhando para o céu... acho que ela acabou decorando o lugar de cada uma delas. Mas o que ela gostava mesmo de ver era
a chuva de meteoros que acontecia em muitas madrugadas.

Na época nós nem imaginávamos que eram meteoros, acreditávamos mesmo que eram estrelas que caiam mesmo. Meteoros são pequeninos corpos celestes que se movimentam pelo espaço e entram na atmosfera de nosso planeta. Eles queimam parcial ou totalmente por causa do atrito com a atmosfera da Terra... e isso deixa um risco luminoso no céu, que nós chamamos de estrelas cadentes.

Nas noites em que não havia Lua, o espetáculo luminoso era simplesmente fantástico....

Adivinha quem ficava na rua - fosse verão, fosse inverno - com Barbarina para ela não ficar sozinha?
       
Chuva de meteoros promete show de "estrelas cadentes" no céu do Brasil

E as lembranças vêm... da escuridão... do frio... dos barulhos estranhos da madrugada. Os monstros que povoavam nossas mentes aproveitavam essas noites de excursão pelo céu para nos assombrar. O pio da coruja... hoje ainda quando lembro um arrepio percorre minha espinha.

Eram pequenos eventos...mas que nos causavam grandes emoções.

O que seria da vida sem emoções?

Fechei os olhos pra lembrar melhor aqueles momentos noturnos... pra frente pra trás... pra frente, pra trás... e cochilei... mais uma vez

domingo, 9 de junho de 2013

Em alguns poucos minutos, três ambulâncias passaram pela avenida em frente à minha sacada. A sirene de ambulâncias invariavelmente traz à minha memória meus dois irmãos mais velhos: Justino e Federico.

'Dois sonhadores', papai sempre se referia a eles assim. Alistaram-se como os outros quase 25 mil soldados brasileiros que foram enviados para a Europa para combater ao lado das forças estadunidenses na Itália.

Para os dois foi a grande e única oportunidade de conhecer o país de nossos antepassados. Atravessar o oceano e sentir o cheiro da Itália, pisar a terra da Itália, falar italiano sem medo de falar italiano...

Voltaram cheios de histórias.... as consequências de uma guerra nunca são boas... são dramáticas, são brutais. 'Seres humanos transformados em brutos' eram palavras mil vezes repetidas por Tino.

Lembro agora de que eles sempre contavam que, ao entrar em uma cidadezinha perdida entre os montes, um dos soldados atirou em um homem que surgiu de repente em frente a eles. Justino perguntou: 'por que você atirou?' E o soldado respondeu: 'talvez ele fosse um rebelde'.

Mas a sirene da ambulância me faz lembrar mesmo é de Ico....era médico que ele queria ser... Depois da guerra, nunca mais quis ser nada. Viveu até o último dia de sua vida da terra em que plantava tudo o que precisava e dos animais que criava.

'Tenho tudo o que preciso.... e já vi tudo o que precisava ver para perceber que não vai fazer a menor diferença se eu curar uma ou dez mil pessoas como médico, a vida de cada um e de todos é verdadeiramente inútil', dizia sempre....






sábado, 8 de junho de 2013

O sol nasceu forte... com todo o seu calor aqueceu a sacada cheia de vasos de flores. As flores procuram pelo sol. Costumo observar o movimento delas em direção ao astro rei. Viro o vaso para as flores mais bonitas ficarem na direção da minha sala. E as flores teimosas vão lentamente mudando de direção.. dois ou três dias é o suficiente para elas darem as costas para mim e se abrirem num lindo sorriso para o sol.

E eu vou lá e viro o vaso de flores novamente... e elas insistentemente voltam-se para o sol... é uma batalha entre mim e o sol....

Será que as flores não cansam de mudar de direção?

As nuvens branquinhas começaram a surgir no horizonte... devagarinho foram se aproximando; esconderam um pouquinho o sol... depois ficaram densas, escuras e o sol desapareceu por completo... até parecia que ia chover....

Fechei os olhos...  e a cadeira pra frente, pra trás... pra frente, pra trás...acho que cochilei.... quando abri os olhos alguns raiozinhos de sol começavam a sair de entre as nuvens... qualquer brechinha servia para o sol se espalhar.... e ele se espalhou e se espelhou no lindo mar azul.

Novembro de 1925... como já falei foi o dia que escolhi para vir ao mundo. Não lembro bem se tive a opção de escolher esse dia, também não sei se me foi permitido escolher o lugar onde nasci.

Simplesmente nasci num lugar e num dia qualquer... exatamente como todo mundo. Não é verdade que todo mundo começa assim? Num dia qualquer, num lugar qualquer!? Eu não seria exceção, claro.

Cheguei para papai e mamãe. Antes de mim, chegaram Justino, Federico, Odília, Teresa e Lenira.

Quando cheguei Teresa não estava mais aqui... uma coisa muito triste aconteceu com ela. Foi um acidente muito, muito triste... sempre que me lembro as lágrimas insistem em correr pelo meu rosto. E eu deixo, não seguro mais, elas rolam e eu deixo rolarem... não luto contra.

Cheguei, fui enrolada em uns paninho... só vestiram uma camisetinha branca... mais nada de roupas. Quando meus irmãozinhos nasceram foi tudo sempre igual. Cada um que nascia era enrolado em panos, ganhava uma camisetinha, era deitado no bercinho de ferro e ficava lá. Ficava até começar a gritar... gritar... gritar... de fome, é claro.

Então mamãe pegava o bebezinho e dava de mamar.... e durante uns seis ou sete meses era só o que os bebês ganhavam: mamadas

quarta-feira, 5 de junho de 2013

O estado do Rio Grande do Sul é uma das 27 unidades federativas do Brasil. Quem primeiro chegou ao estado - quando só havia índios minuanos, charruas e caaguaras, que viveram há 12 mil anos a.C. - foram os jesuítas, lá pelo ano de 1600.

Depois chegaram os portugueses que brigaram com os espanhóis para tomar conta do lugar. Houve uma divisão entre esses dois povos.... muita briga... mais briga... e os jesuítas no meio, e os indígenas... enfim, briga e briga até que se definiram as fronteiras que estão aí até hoje.

Em 1875 começaram a chegar os italianos e, até 1914, entre oitenta a cem mil deles foram introduzidos no Rio Grande do Sul. A colonização italiana aconteceu no planalto ao norte, porque as terras baixas já eram ocupadas pelos alemães.

Durante o século XX, aconteceram grandes migrações no interior do estado gaúcho. Muitas famílias italianas abandonaram as serras e se espalharam por todo o estado, exatamente como as famílias de papai e mamãe.

As duas famílias se instalaram em Bento Gonçalves e, junto com muitos outros colonos, encontraram na região um clima extremamente favorável, semelhante ao europeu, para estabelecer a cultura da videira, que ainda é a predominante na região, no chamado Vale dos Vinhedos.

No comecinho do século XX, chegou a rede ferroviária até à região, e isso facilitou o escoamento da produção de vinho, proporcionando uma base econômica sólida para muitas famílias.

Uma das melhores lembranças de quando era criança que tenho é a de andar embaixo daqueles parrerais que pareciam não ter fim. Lembro que papai me pegava no colo para que eu colhesse os cachos lindos e saborosos de uva.

Achava maravilhosos aqueles dias quentes de verão que passávamos na casa de meus avós. Sinto o cheiro da madeira da casa deles, da polenta na chapa, do queijo e salame guardados no porão - de pedra - sempre fresco... do vinho que os adultos bebiam - nós, as crianças também podíamos beber um pouquinho de vinho doce que vovô fabricava. Cheiro das geleias, pães, cucas que vovó fazia...

Lembro do sabor inconfundível dos grostoli (orelha de gato) inconfundíveis, das tortinhas recheadas com geleia de uva, dos canudinhos recheados com sagu de vinho...

O que seria o homem sem a memória? Como é viver sem memória?

Eu aqui, neste momento, sem me mover - só a cadeira de balanço pra frente... pra trás... - e milhares de milhares de imagens... rostos, rios, jardins, casas, roupas, os dias de sol - o calor -; os dias de chuva - o barulho no telhado de zinco; os banhos nos rios... o cheiro de milho verde, o pinhão na chapa... memórias.

É disto que a vida é feita? De memórias?

Do que é feita a vida mesmo?

Do presente? Do futuro? Ou do passado?... Ou dos três juntos?

A vida é feita de momentos que estavam no futuro, saem de lá, chegam ao presente, por milésimos de segundo ficam no presente, vão para o passado e se depositam pra todo o sempre no passado?

Continuamente....até o fim!?

domingo, 2 de junho de 2013

Pra frente... pra trás... pra frente... pra trás... meus olhos cansados se fecham lentamente... cochilo. De uns tempos pra cá, tenho cochilado tanto.

Todo vez que volto da cidadezinha onde nasci, prometo a mim mesma que é a última vez. Venho tão carregada de lembranças que elas pesam nos meus ombros, nos meus olhos... pesam tanto, que me fazem andar devagar, cada vez mais devagar.

E o tempo passa tão rápido... e quando vejo, descumpri minha promessa e estou lá... outra vez, mais uma vez. Quem sabe a última vez.

O mar à minha frente está mais escuro, o céu se encheu de nuvens, densas nuvens - os cumulonimbus -  provavelmente vai chover, uma pancada forte, talvez. Os carros continuam de lá pra cá, continuamente.

Novembro de 1925.... o verão é longo. O sol escaldante castiga as plantações ao redor da pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul onde nasci - Xingu Novo.

Num dia quente, muito quente de novembro, nasci. E até meus 20 anos, morei nessa cidade que se esconde no meio de alguns morros que a circulam. Quanta história ela esconde!

Nada de especial nessas histórias... são apenas histórias de vida... de vidas - que passaram, que passam e que passarão. Porque é nisto que consiste a vida: passar.

Querida vida... você não cansa de passar? Você não sente vontade, de vez em quando, pelo menos, de em algum lugar ficar parada, estática, sem movimento pra frente. Não se mover... ficar pra todo o sempre parada? Ser pra sempre?

Não consigo parar de pensar que vou morrer. Não consigo parar de pensar em todas as minhas perdas. Porque morrer é deixar de ser, é perder. Não quero perder você, vida...

sábado, 1 de junho de 2013

Estou aqui em minha cadeira de balanço... pra frente, pra trás... pra frente, pra trás.... De onde estou vejo o mar - cinza neste momento -, duas ilhas lá na frente... e o movimento contínuo de carros na avenida onde moro.... de lá pra cá, de cá pra lá, continuamente...

Será que eles não cansam?

E eu? Estou cansada? Às vezes, acho que sim.... muito cansada; noutras, nem tanto... só o suficiente pra deitar e dormir.

Na sacada, coloquei um bebedouro para os beija-flores... e eles vêm trinta, quarenta vezes ao dia... sempre a mesma ação: colocam seu biquinho em um buraquinho, em uma florzinha... sugam minúsculas gotinhas de água, e se vão.

Será que eles não cansam?

O balançar da cadeira, o barulho contínuo dos carros, o zumbido de uma abelha... o que me dá mais sono? Não sei... tudo junto, quem sabe.

Fecho os olhos e uma nostalgia sem tamanho e sem forma me envolve inteira, assim como a noite imensa joga seu véu sobre o dia que se entristece e anoitece. A nostalgia toma a minha forma ou sou eu que me transformo?

Acabei de chegar da cidadezinha onde nasci. Há três dias eu estava lá, mais uma vez... visitei os lugares, as pessoas... relembrei, relembrei e relembrei.

Agora estou aqui, e as lembranças estão grudadas em mim. Colaram com um tipo de cola que não sai com água de jeito nenhum.

Só há um remédio: o tempo.

O tempo!! Será que ele não cansa?