sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Olho à minha frente... é o mar que se descortina. A vista é simplesmente linda (uma hora coloco uma foto bem bonita pra você ver o que os meus olhos veem).

Eu fui professora. Hoje quando penso em mim, em frente a uma turma de crianças... eu ensinando... parece que foi um sonho. Quando eu era criança sempre dizia que seria professora. Todo mundo zombava de mim. Todos diziam que eu seria incapaz de ensinar... todos não, menos papai, é claro.

Eu gostava muito de ir ao colégio das freiras lá da minha cidadezinha... pra mim, aquele era um pedaço do céu. Você já percebeu como as freiras andam... como falam... o tom de voz... o olhar? Parece que estão sempre refletindo a paz do paraíso. E, por isso, eu gostava de passar tardes e tardes no colégio...

e foi assim que eu dei o meu primeiro passo para ser professora.

domingo, 14 de julho de 2013

Meus olhos pesados se fecham... a cadeira de balanço - pra frente, pra trás... pra frente, pra trás - completa o serviço: cochilo... um cochilozinho leve.

Latidos de cães no corredor me trazem de volta ao presente. Moro no apartamento 192. No 191 moram duas velhinhas - duas irmãs: Joana e Magnólia. Elas tem menos tempo de vida que eu, mas são muito mais velhas... têm manias de velhas... usam roupas de velhas, comem comidas de velhas.

Elas fazem parte de grupos de idosos, grupos da terceira idade - tem gente que tem preconceito com a palavra 'velho'. Não tenho nada disso. Um bebê é novinho, um velho é um velhinho, mesmo.

E isso de chamar de 'terceira idade'... que coisa mais nonsense! Será que daqui a pouco vão criar 'quarta idade'? Sim, porque as pessoas estão vivendo mais... e se chegarem a mais de 120 anos, vão ser chamadas de 'pessoas na quarta idade'?

Deixa pra lá... não quero parecer rabugenta.

As minhas duas vizinhas são velhinhas, sim... e bem simpáticas. Sempre que as encontro no elevador, elas me 'seguram' pelo menos duas horas para falar de todas as doenças que têm. 'Ficar velho é assim mesmo... um monte de doenças', sempre repetem. Eu só aceno que sim com a cabeça... quem sou eu pra contrariar... tomo uns dez, doze comprimidos todos os dias: um pra cada coisa de mal que meu corpo tem. Mas não tomo nada pra mente, pro espírito - este não envelheceu... está novinho como o de um bebê.

Mas, não é disso que quero falar.

O inverno... não, não o inverno.... os latidos me fizeram lembrar de 'Moreno', o cachorro que por vinte anos acompanhou papai por todos os lugares. Papai ia pro moinho, Moreno ia atrás; papai subia na carroça, Moreno pulava atrás; papai sentava em sua cadeira na frente de casa, Moreno deitava ao seu lado. Era papai e Moreno, quase inseparáveis.

Digo quase porque quando papai ia à missa ou descia à cidade, Moreno ficava deitado ao lado da escada em frente à nossa casa... só esperando papai voltar.

Até hoje não entendo como Moreno sabia quando devia estar ao lado de papai e quando devia simplesmente deitar e esperar. Também não entendo como ele só chegava até à porta... nunca entrou em nossa casa. Não, acho que isso eu entendo. Provavelmente papai o tenha ensinado  a permanecer fora de casa... pode ser. Mas no moinho ele entrava. Como Moreno distinguia no que podia entrar e no que deveria ficar de fora?

Acho que lugar de cachorro não é dentro de um apartamento. Os pelos, o cheiro.... ah! fica cheiro sim. As minhas duas vizinhas dizem que não sentem cheiro de cachorro no apartamento delas; eu sinto - toda vez que entro lá.

Elas estão é acostumadas. Seus narizes estão repletos de moléculas de cachorro.

Sim, sim... os bichinhos são tão lindos e com aquelas carinhas de pidão... como deixá-los de fora?

E não é cheirinho de cachorro, não. É cheirão, mesmo....

Acho que me irritei... o cochilo estava tão bom. E esses cachorros com seus latidos.... aff! acho que é isto mesmo: fiquei irritada porque eles me tiraram da minha suave letargia...

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Cada estação traz coisas boas e ruins. O outono na minha cidadezinha era tão agradável. O verão escaldante ia ficando cada vez mais pra trás. Transição entre verão e inverno... clima ameno. O outono das frutas era a estação mais gostosa.

Ao lado de nossa casa, havia um enorme pomar. Árvores frutíferas... várias. Lembro-me bem dos pés de pera, as laranjeiras, os pés de bergamota, de ameixa vermelhas... tão saborosas. As folhas caiam das árvores, formando um grande tapete no pomar.

Respiro o ar que vem do mar. Mas, magicamente, sinto o cheiro das frutas.

Mamãe fazia geleias. A minha preferida era de uva (que é de outra estação... o verão). Do outono, eu preferia o doce de pera.

Acordávamos cedo e depois do saboroso café íamos colher a fruta escolhida pra naquele dia virar um gostoso doce ou uma saborosa bebida.

Peras em conserva... geleia de pera... peras cristalizadas... peras cozidas com açúcar, canela e erva-doce.  Mamãe era habilidosa com os doces; papai fazia bebidas.

Nós conhecíamos como acquavit  - em italiano, é claro. Depois aprendi que em inglês é chamada de spirits; em alemão, schnaps; e spiriteaux ou eaude-vie, em francês, a aguardente feita com a bela pera.

Nós colocávamos em garrafas ou litros comuns; depois descobri que na França as garrafas da bebida têm a forma da fruta - se tivéssemos tido uma garrafa em forma de pera, certamente eu a teria guardado até hoje pra mim.

Colhíamos as peras. lavávamos muito bem com a água tirada do poço e depois tudo ficava por conta de papai. Ele pegava as frutas, entrava no porão e, piscando o olho, sempre nos dizia 'o mago vai entrar em ação'.

Sei que as frutas eram amassadas, viravam uma pasta mesmo; depois ficavam fermentando por um bocado de tempo; em seguida, passavam por um processo de destilação - tudo isso no nosso porão, que mais parecia um laboratório cheio de trecos que não sei nem dizer o nome.

Papai colocava parte da bebida em barris de madeira para envelhecer... hoje sei que é deixada em tanques de aço inoxidável.

O mais bonito pra mim e por muito tempo incompreensível eram as garrafas cheias de aguardente com a fruta dentro. Eu olhava, olhava e não conseguia entender como elas tinham ido parar lá pelo gargalo tão pequenininho da garrafa...

Papai um dia, pacientemente, me explicou:

'Un giochino... às vezes, quando as pereiras ainda estão com as frutinhas em forma de broto, escolho algumas e amarro uma garrafa nos galhos, para elas crescerem dentro da garrafa. Na hora em que as frutas já estão maduras e do tamanho certinho, tiro as garrafas com elas dentro e encho com o 'aguardente' já preparado...'

'Capisce, bambina?'

E eu fico aqui lembrando das coisas que aconteceram e das que não aconteceram também.... enquanto como uma maçã que veio não sei da onde, transportada por não sei quem, colhida por alguém que nunca vou conhecer e plantada por um anônimo qualquer desse mundão de Deus...

e com as peras é tudo a mesma coisa.







sábado, 6 de julho de 2013

Gelato

Fecho os olhos devagarinho... na boca o gosto forte do abacaxi com hortelã... muito gostoso. Mantenho a mente concentrada no sabor o maior tempo possível. Hoje eu realmente degusto o que como, o que bebo. Não tenho pressa, tenho todo o tempo do mundo - exatamente como quando eu era criança.

Voltando pra aquele dia frio de agosto de 1929, papai, meus irmãos, um de nossos empregados - Tonho - e eu chegamos em casa mais ou menos às 16 horas. A carroça estava carregada de lenha. O inverno é frio, muito frio. O fogão a lenha é abastecido de lenha, claro.

E nós fomos buscar. Para mim, sempre era um maravilhoso passeio.

Papai me tirou da carroça, me colocou no chão, afagou meus cabelos e disse para eu entrar na cozinha que mamãe tinha uma surpresa pra mim.

Corri pra dentro. Minhas irmãs estavam sentadas no chão da cozinha na frente do fogão. Puxei minha cadeirinha pra bem perto da portinha do fogão. O fogo crepitava e algumas faíscas voavam, as chamas dançavam bem diante dos meus olhos. Estendi minhas mãozinhas geladas na direção do fogo, e elas começaram a ficar quentinhas.

Lá fora trovões fortes ribombavam distante e a chuva começou a cair aos montes.

Mamãe chegou com minha canequinha e me entregou... também me deu uma colherinha... 'Experimente!', disse-me ela.

Coloquei na boca uma colherinha cheia do que aprendi ser... do que conheci naquele momento: gelato.

'No inverno, sempre temos gelato', mamãe disse. Quem fazia essa delícia era minha irmã mais velha, a Odi... ela pegava as canequinhas, fazia chá de hortelã. Depois cortava pedacinhos de frutas - ameixas, bergamotas ou laranjas -, cada dia era um tipo diferente (o chá também era de um tipo diferente a cada dia) e colocava no chazinho.

Odi pegava todas as canequinhas e as colocava de manhãzinha lá fora no frio, em cima de um caixote. À tarde, nós tínhamos gelato saboroso. Minha irmã era muito esperta. Essa foi a primeira invenção dela.

Papai entrou na cozinha, cantarolando. Olhou pra nós, suas três filhas queridas e disse: "la felicità è un gelato!".

Durante muitos invernos, ele repetiu esta frase pra nós e para os outros filhos que foram chegando.

Agora, no verão, minha neta Carol, me leva para comprar um monte de sorvete e picolés na Amoratto. Eu encho meu freezer e sempre lembro da frase que papai repetia quando estávamos rodeando o fogão e com nossa canequinhas nas mãos, tomando o delicioso gelato: la felicità è un gelato.

Mudou a estação, mudou a forma de se fazer o gelato.... mas sempre é uma felicidade tomar um sorvete.

O gosto de hortelã na minha boca agora... me transportou para aquele dia lá atrás... parece tudo tão real... mas a cadeira pra frente, pra trás, pra frente, pra trás me lembra de que não estou lá, estou aqui...  bem aqui.


terça-feira, 2 de julho de 2013

O inverno de 1929...

O inverno de 1929 foi  muito frio. Não só na minha cidadezinha, mas em quase todo o Sul do país.

Papai era um dos homens mais informados da cidade. Nós tínhamos um aparelho de rádio... e papai recebia dois jornaizinhos por mês.

Quando os jornais chegavam era uma festa. Primeiro papai lia tudo silenciosamente - lá no escritório do moinho. Depois lia tudinho em voz alta pra nós e pra mamãe. Papai lia muito bem com sua voz forte - ele era cantor do coral da igreja.

Eu sentia um orgulho enorme do pai que tinha: proprietário do único moinho; cantor do coral da igreja e, às vezes... muitas, ajudante do padre durante a missa - ele passava com um prato de alumínio recebendo o dinheiro que as pessoas doavam pra igreja - o dízimo; um dos poucos homens da minha cidadezinha que recebia jornais pelo correio; tinha um rádio....

O rádio era dele. Ninguém podia ligar, ninguém, nem mamãe, tinha permissão para sequer encostar no aparelho.

E papai só ligava à noite. Mais ou menos das 19 às 21 horas ele ficava mexendo naqueles botões redondos e brilhantes tentando sintonizar uma voz qualquer. Às vezes.... mas só às vezes mesmo, ele parava o botão em uma música.

Pegava mamãe nos braços e rodava com ela pela sala. Lembro que mamãe ficava tão vermelha que parecia um tomate usando um vestido.

E papai rodava, rodava com ela... e dava gargalhadas. Nunca ouvi mamãe dar uma gargalhada... nunca.

Às vezes, depois que desligava o rádio, papai contava alguma história interessante sobre quem tinha inventado o rádio: 'um italiano chamado Guglielmo Marconi', dizia ele. Mas que também um padre brasileiro de Porto  Alegre - nossa capital - em 1894 transmitiu a voz humana por oito quilômetros em linha reta, da avenida Paulista até o Alto de Santana, na zona norte da cidade de São Paulo.... e não teve nenhum sucesso.

E que, quando repetiu a experiência em 1900, foi taxado de bruxo... e os fiéis de sua igreja invadiram seu laboratório para quebrar todos os seus aparelhos... 'poveretto'... era sempre com essa palavra que papai terminava sua narração.

domingo, 23 de junho de 2013

Tomei meu suco vagarosamente... Há muito tempo aprendi sobre a importância de mastigar bem os alimentos. Lembro-me muito bem a primeira vez que minha nutricionista me disse: 'mastigue a sopa'.

Como assim? Mastigar a sopa? Claro, claro... não é mastigar no mesmo sentido que você mastiga o churrasco - adoro churrasco -, mas tem de mastigar sim, porque a digestão do alimento começa não só com a trituração dos alimentos mas também com a mistura da saliva com a comida.... hum... aí eu entendi.

E ela continuou: 'quanto menor o alimento e mais bem misturado com a saliva, melhor será a digestão... e, se a senhora comer devagar, também terá menos tendência a engordar, vai apreciar melhor os alimentos... ah! e jamais, jamais mesmo coma enquanto está assistindo TV ou falando ao telefone' (acho que ela sabe que fico horas em frente à TV e as horas que sobram falando ao telefone).

Claro que a última orientação desobedeço sempre... porque ninguém é de ferro e também porque algumas regras podem... devem, na verdade, ser quebradas.

Enquanto tomava meu suco com um conta-gotas (brincadeirinha...), lembrei da primeira vez que peguei um telefone pra falar com alguém... não lembro quem era...

O telefone tocou, eu estava sozinha em casa e fui obrigada a atender.

'Alô! Quem fala!?'
"Alô... quem fala, por favor?'
"Eu perguntei primeiro', falei toda nervosa... e a pessoa, acho que entendeu que era uma total ignorante em matéria de atender o telefone... então se identificou e perguntou se minha filha estava em casa...
'Por que você quer saber?', perguntei...(meu Deus que tansa)
'Preciso falar com ela'...

Aí eu não aguentei mais meu nervosismo e comecei a rir, rir... que não acaba mais. E a pessoa do outro lado simplesmente desligou...

Nunca contei pra ninguém isso. Mas o problema é que morro de vergonha de falar em público... e foi isso que aconteceu... não, não só isso. Eu também esqueci - esqueci, não... eu não sabia que tinha de colocar o telefone de volta no gancho - deixei o fone do lado do telefone até à noite, quando meu marido chegou, viu e perguntou o que o fone estava fazendo fora do gancho...

E eu com a maior cara de surpresa...ah! acho que deixei aí quando fui limpar o aparelho... (porque eu passava álcool nele duas ou três vezes por dia, pra matar as milhares de bactérias).

Por falar em álcool, depois descobri que o álcool que eu usava só deixava as bactérias muito doidas... ou que elas se faziam de mortas...

Enfim, graças a Deus ninguém morreu lá em casa por usar o telefone cheio de bactérias doidinhas da silva ou fazendo de conta que estavam mortas....

E terminei meu maravilhoso suco.... O movimento de carros na avenida agora está mais intenso... vejo também várias pessoas andando ou correndo na beira-mar. Um barquinho lá longe... próximo das pequenas ilhas....

E o céu se fez azul outra vez... nenhuma nuvem... não há vento... não ouço canto dos pássaros. O único barulho mesmo é o da civilização: carros e ônibus passando, a minha vizinha do andar de baixo passando o aspirador, uma britadeira no prédio que estão construindo na quadra ao lado da minha, a música tocando no radinho da minha secretária - não gosto dessa música que ela ouve... já pensei em dar um aparelhinho com fones de ouvido pra ela... acho que vou dar no próximo Natal - e um helicóptero circulando bem sobre a minha cabeça...

Daqui a pouco vou comer uma maçã - outro hábito diário...





sábado, 22 de junho de 2013

Mas, voltando pro presente... atendi o telefone. Carol, depois de contar todas as novidades - ela sempre tem milhões de novidades pra contar -, disse que estava telefonando especialmente pra  me convidar pra uma apresentação de Sofia, minha bisneta. Sofia, a bailarina... uma das formas de nos referirmos a ela... há várias outras.... nunca vi uma menina tão esperta.

Sofia iria se apresentar com seu grupo de Jazz no Teatro Governador Pedro Ivo, na sexta-feira da semana seguinte... e eu não poderia faltar.

Primeiro eu disse que não... não iria. À noite, o que gosto mesmo de fazer é dormir... e ir a um espetáculo de dança!? Música alta, barulho... já estou cansada só de pensar em ir...

Mas Carol sabe argumentar: 'bisa. você tem de ir... Sofia está dançando tão bem.... e ela vai ficar triste se você não for.' Pronto falou a palavrinha-chave: 'triste'... droga! ela sabe mesmo como me convencer...

E mais, continuou Carol... 'bisa você tem de sair, passear, aproveitar bastante a vida... vamos lá, toda a família vai... até o vovô Roberto vem de São Paulo pra assistir... vamos, vamos... sei que você vai amar'.

Uma vozinha dentro de mim dizia que ela tinha 100% de chance de ter razão: eu iria gostar...

Então, deixei de ser ranzinza e aceitei.... agora é começar a pensar com que roupa eu vou... até lembrei daquela música 'com que roupa eu vou...' de Noel Rosa... bons tempos aqueles...

Hora do suco: Madalena (a minha secretária) trouxe o meu preferido - abacaxi com hortelã.