quarta-feira, 10 de julho de 2013

Cada estação traz coisas boas e ruins. O outono na minha cidadezinha era tão agradável. O verão escaldante ia ficando cada vez mais pra trás. Transição entre verão e inverno... clima ameno. O outono das frutas era a estação mais gostosa.

Ao lado de nossa casa, havia um enorme pomar. Árvores frutíferas... várias. Lembro-me bem dos pés de pera, as laranjeiras, os pés de bergamota, de ameixa vermelhas... tão saborosas. As folhas caiam das árvores, formando um grande tapete no pomar.

Respiro o ar que vem do mar. Mas, magicamente, sinto o cheiro das frutas.

Mamãe fazia geleias. A minha preferida era de uva (que é de outra estação... o verão). Do outono, eu preferia o doce de pera.

Acordávamos cedo e depois do saboroso café íamos colher a fruta escolhida pra naquele dia virar um gostoso doce ou uma saborosa bebida.

Peras em conserva... geleia de pera... peras cristalizadas... peras cozidas com açúcar, canela e erva-doce.  Mamãe era habilidosa com os doces; papai fazia bebidas.

Nós conhecíamos como acquavit  - em italiano, é claro. Depois aprendi que em inglês é chamada de spirits; em alemão, schnaps; e spiriteaux ou eaude-vie, em francês, a aguardente feita com a bela pera.

Nós colocávamos em garrafas ou litros comuns; depois descobri que na França as garrafas da bebida têm a forma da fruta - se tivéssemos tido uma garrafa em forma de pera, certamente eu a teria guardado até hoje pra mim.

Colhíamos as peras. lavávamos muito bem com a água tirada do poço e depois tudo ficava por conta de papai. Ele pegava as frutas, entrava no porão e, piscando o olho, sempre nos dizia 'o mago vai entrar em ação'.

Sei que as frutas eram amassadas, viravam uma pasta mesmo; depois ficavam fermentando por um bocado de tempo; em seguida, passavam por um processo de destilação - tudo isso no nosso porão, que mais parecia um laboratório cheio de trecos que não sei nem dizer o nome.

Papai colocava parte da bebida em barris de madeira para envelhecer... hoje sei que é deixada em tanques de aço inoxidável.

O mais bonito pra mim e por muito tempo incompreensível eram as garrafas cheias de aguardente com a fruta dentro. Eu olhava, olhava e não conseguia entender como elas tinham ido parar lá pelo gargalo tão pequenininho da garrafa...

Papai um dia, pacientemente, me explicou:

'Un giochino... às vezes, quando as pereiras ainda estão com as frutinhas em forma de broto, escolho algumas e amarro uma garrafa nos galhos, para elas crescerem dentro da garrafa. Na hora em que as frutas já estão maduras e do tamanho certinho, tiro as garrafas com elas dentro e encho com o 'aguardente' já preparado...'

'Capisce, bambina?'

E eu fico aqui lembrando das coisas que aconteceram e das que não aconteceram também.... enquanto como uma maçã que veio não sei da onde, transportada por não sei quem, colhida por alguém que nunca vou conhecer e plantada por um anônimo qualquer desse mundão de Deus...

e com as peras é tudo a mesma coisa.







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