terça-feira, 2 de julho de 2013

O inverno de 1929...

O inverno de 1929 foi  muito frio. Não só na minha cidadezinha, mas em quase todo o Sul do país.

Papai era um dos homens mais informados da cidade. Nós tínhamos um aparelho de rádio... e papai recebia dois jornaizinhos por mês.

Quando os jornais chegavam era uma festa. Primeiro papai lia tudo silenciosamente - lá no escritório do moinho. Depois lia tudinho em voz alta pra nós e pra mamãe. Papai lia muito bem com sua voz forte - ele era cantor do coral da igreja.

Eu sentia um orgulho enorme do pai que tinha: proprietário do único moinho; cantor do coral da igreja e, às vezes... muitas, ajudante do padre durante a missa - ele passava com um prato de alumínio recebendo o dinheiro que as pessoas doavam pra igreja - o dízimo; um dos poucos homens da minha cidadezinha que recebia jornais pelo correio; tinha um rádio....

O rádio era dele. Ninguém podia ligar, ninguém, nem mamãe, tinha permissão para sequer encostar no aparelho.

E papai só ligava à noite. Mais ou menos das 19 às 21 horas ele ficava mexendo naqueles botões redondos e brilhantes tentando sintonizar uma voz qualquer. Às vezes.... mas só às vezes mesmo, ele parava o botão em uma música.

Pegava mamãe nos braços e rodava com ela pela sala. Lembro que mamãe ficava tão vermelha que parecia um tomate usando um vestido.

E papai rodava, rodava com ela... e dava gargalhadas. Nunca ouvi mamãe dar uma gargalhada... nunca.

Às vezes, depois que desligava o rádio, papai contava alguma história interessante sobre quem tinha inventado o rádio: 'um italiano chamado Guglielmo Marconi', dizia ele. Mas que também um padre brasileiro de Porto  Alegre - nossa capital - em 1894 transmitiu a voz humana por oito quilômetros em linha reta, da avenida Paulista até o Alto de Santana, na zona norte da cidade de São Paulo.... e não teve nenhum sucesso.

E que, quando repetiu a experiência em 1900, foi taxado de bruxo... e os fiéis de sua igreja invadiram seu laboratório para quebrar todos os seus aparelhos... 'poveretto'... era sempre com essa palavra que papai terminava sua narração.

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