sábado, 6 de julho de 2013

Gelato

Fecho os olhos devagarinho... na boca o gosto forte do abacaxi com hortelã... muito gostoso. Mantenho a mente concentrada no sabor o maior tempo possível. Hoje eu realmente degusto o que como, o que bebo. Não tenho pressa, tenho todo o tempo do mundo - exatamente como quando eu era criança.

Voltando pra aquele dia frio de agosto de 1929, papai, meus irmãos, um de nossos empregados - Tonho - e eu chegamos em casa mais ou menos às 16 horas. A carroça estava carregada de lenha. O inverno é frio, muito frio. O fogão a lenha é abastecido de lenha, claro.

E nós fomos buscar. Para mim, sempre era um maravilhoso passeio.

Papai me tirou da carroça, me colocou no chão, afagou meus cabelos e disse para eu entrar na cozinha que mamãe tinha uma surpresa pra mim.

Corri pra dentro. Minhas irmãs estavam sentadas no chão da cozinha na frente do fogão. Puxei minha cadeirinha pra bem perto da portinha do fogão. O fogo crepitava e algumas faíscas voavam, as chamas dançavam bem diante dos meus olhos. Estendi minhas mãozinhas geladas na direção do fogo, e elas começaram a ficar quentinhas.

Lá fora trovões fortes ribombavam distante e a chuva começou a cair aos montes.

Mamãe chegou com minha canequinha e me entregou... também me deu uma colherinha... 'Experimente!', disse-me ela.

Coloquei na boca uma colherinha cheia do que aprendi ser... do que conheci naquele momento: gelato.

'No inverno, sempre temos gelato', mamãe disse. Quem fazia essa delícia era minha irmã mais velha, a Odi... ela pegava as canequinhas, fazia chá de hortelã. Depois cortava pedacinhos de frutas - ameixas, bergamotas ou laranjas -, cada dia era um tipo diferente (o chá também era de um tipo diferente a cada dia) e colocava no chazinho.

Odi pegava todas as canequinhas e as colocava de manhãzinha lá fora no frio, em cima de um caixote. À tarde, nós tínhamos gelato saboroso. Minha irmã era muito esperta. Essa foi a primeira invenção dela.

Papai entrou na cozinha, cantarolando. Olhou pra nós, suas três filhas queridas e disse: "la felicità è un gelato!".

Durante muitos invernos, ele repetiu esta frase pra nós e para os outros filhos que foram chegando.

Agora, no verão, minha neta Carol, me leva para comprar um monte de sorvete e picolés na Amoratto. Eu encho meu freezer e sempre lembro da frase que papai repetia quando estávamos rodeando o fogão e com nossa canequinhas nas mãos, tomando o delicioso gelato: la felicità è un gelato.

Mudou a estação, mudou a forma de se fazer o gelato.... mas sempre é uma felicidade tomar um sorvete.

O gosto de hortelã na minha boca agora... me transportou para aquele dia lá atrás... parece tudo tão real... mas a cadeira pra frente, pra trás, pra frente, pra trás me lembra de que não estou lá, estou aqui...  bem aqui.


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